terça-feira, 15 de setembro de 2020

"Cuido de Você" (Conto) - Desafio

 Olá!

Este pequeno conto eu escrevi para o concurso sobre contos ambientados no Brasil no grupo Fábrica de Histórias. Ele é uma "continuação" ao microconto "Cuido de Você" que escrevi para o desafio dos microcontos (aqui).

Espero que gostem!

Título: Cuido de Você
Número de Palavras: 1.017 palavras
Autora: Estela



Daniel Oliveira era um jovem português de vinte e seis anos. Após concluir estudos no canto e aprender a tocar guitarra, piano e bateria, o rapaz viajou até ao Brasil com a sua editora discográfica a fim de tentar parcerias com cantores brasileiros.
Era um dia 13 de Setembro. O jovem passeava nas ruas do Rio de Janeiro com a sua guitarra nas costas. Um grupo de rapazes passaram por ele e roubaram-lhe a guitarra. Ele tentou correr atrás deles, mas os mesmos subiram para cima de motos e arrancaram deixando-o parado no meio da rua. Ele virou-se depois de respirar fundo, designado. Viu-a. Uma morena de pele negra.
– Não devia passear com guitarra nas costas.
Ele percebeu que ela tinha visto o assalto. Encolheu os ombros, frustrado.
– Estou só de passagem.
Ela identificou o sotaque lusitano e sorriu.
– Seja bem-vindo ao Brasil!
Ele reparou no sorriso dela. Isso reconfortou-o. Agradeceu.
– Quer comer alguma coisa? Eu te levo a comer um brigadeiro. Já comeu?
Ele negou com a cabeça. Ela foi na frente, a sorrir. Ele pareceu mais aliviado. Os dois entraram num local e ela pediu um café. Ele repetiu o pedido.
– João, dê um dos seus brigadeiros a ele. – Pediu ela ao dono do café.
Daniel só sorriu.
– É para já, Laura.
Só aí se deu conta de que não falou o seu nome para a morena. Esticou a mão.
– Sou o Daniel.
– Olá, Daniel. Sou a Laura. – Eles trocaram apertos de mão.
O brigadeiro chegou. Daniel ficou a olhar para ele. Laura riu-se com a reação dele.
– Tem diabetes? – Perguntou ela, ficando subitamente séria.
– Não. – Ele riu-se – Só estou...
Ele ficou calado por alguns segundos. Ela olhou para ele, séria.
– Sim?
– Só estou surpreendido.
– Porquê?
Ele encolheu os ombros.
– Ainda não tinha sido tão bem recebido.
Ela percebeu. Afirmou com a cabeça.
– É... O Brasil tem disso. Temos uma imagem de gente muito felizinha, mas tem sempre o lado podre.
– Pois...
Laura, rapidamente, mudou de assunto. Pegou num guardanapo de papel e segurou no brigadeiro.
– Coma. Esse posso garantir que não está podre.
Eles riram. Ele deu uma dentada. Começou a saborear o doce. Ela esperou pela reação dele. Não tardou a surgir. Ele fez um sim com a cabeça e um sinal de bom, colocando o polegar para cima.
– Eu sabia! Em brigadeiro a gente é ótimo! – Ela se vangloriou.
– Toda a gente conhece os vossos brigadeiros. – Ele elogiou.
Ela mudou de assunto.
– Toca viola?
Ele confirmou.
– Toco guitarra, sim. Sou músico.
Ela ergueu uma sobrancelha.
– Que bom!
– É mesmo.
– O que faz aqui no Brasil?
– Quis tentar parcerias com artistas brasileiros. Tem uns aí que a minha editora quer tentar para divulgação, publicidade, essas coisas.
– Entendo.
Agora foi a vez dele erguer uma sobrancelha.
– Entende?
– Sim – Ela afirmou com a cabeça – Sou fotógrafa.
Ele ficou a olhar para ela, sério.
– Tem estúdio?
– Sim, tenho tudo isso. Câmera, estúdio. Sou fotógrafa profissional.
Ele sorriu.
– Parabéns!
– Obrigada. – Ela sorriu. – Se precisar de alguma ajuda, fotos para a capa do albúm... Sei lá, alguma coisa, já sabe.
– Claro que sim.
– Eu moro aqui no Rio. Tenho o meu estúdio no fim da rua.
Ele afirmou com a cabeça, satisfeito. Nesse momento, duas mulheres aproximam-se deles.
– Laura! Bom dia! – Falou uma loirinha de olho claro. A amiga apenas fez um "olá" com a mão. A reação da Laura não pareceu agradável, do ponto de vista de Daniel.
– Como você está? – Continuou a loira.
– Bem. E vocês? – Laura pareceu respirar fundo antes de falar.
– Ótimas. Vai terminar aquele book?
– Sim, ainda hoje.
– Ótimo. – A morena ao lado da amiga nunca falou em nenhum momento, mas, para Daniel, tinha um enorme ar de falsidade por todo o rosto. Os olhares delas passam para ele. A loira olhou para Daniel de cima a baixo. Parecia tirar-lhe as medidas. Ele sentiu-se desconfortável com o olhar. A loira voltou o olhar para Laura.
– Quem é ele? – Ela esticou o indicador para Daniel.
Antes que Laura pudesse responder, Daniel responde, levantando-se e esticando a mão.
– Daniel. Olá!
A loira subiu o olhar. Daniel tinha 1,85. A loira tinha apenas 1,70 com os saltos altos. Já não podia olhar para ele de cima a baixo ou todas as pessoas percebiam. A morena fez um ar surpreendido. Daniel percebeu, virou o olhar para ela. A loira também seguiu o olhar dele e reparou na reação da amiga.
– Letícia! – A loira repreendeu a amiga. A amiga passou a um ar sério.
Daniel sorriu para a loira quando ela voltou o olhar para ele.
– Olá, Daniel.
– Ele é português. – Falou Laura. Ela também parecia surpreendida com a atitude dele.
– Músico português. – Ele acrescentou.
– Ah. – A loira não pareceu muito contente – Que bom. Mais um que roubou o nosso ouro.
Daniel riu-se. Laura quis responder, mas ele, mais uma vez, foi mais rápido.
– É sempre isso que dizem quando veem um português no Brasil? Que vos roubámos o ouro, que vos roubámos a terra, que escravizámos as vossas índias? E só isso que têm? Obrigado pelo vosso preconceito, pego nele e coloco-o no túmulo do Dom Pedro.
A morena olhou para a amiga. A loira apenas olhou para Daniel por alguns segundos. Depois, virando-se para a Laura, só abriu a boca para dizer:
– Termina o book hoje.
A loira afastou-se, acompanhada pela morena. O Daniel voltou a sentar-se. Todos os clientes olhavam para eles. Laura estava envergonhada. Daniel olhou para ela.
– Desculpa.
– Não, eu é que peço desculpa. Foi desnecessário. O povo costuma falar isto para os portugueses.
– Eu sei, falam isso nas redes sociais. Totalmente desnecessário. Nós não somos obrigados a pagar por algo que aconteceu com os nossos réis. Com o nosso passado.
– Claro que não.
Eles fizeram um momento de silêncio. Depois, Daniel cortou-o.
– Fiquei sem saber quem era aquela loira.
– Bruna. E a morena é Letícia. Elas são... – Ela tentou encontrar as palavras certas – Elas são...
– Preconceituosas?
– Sim, também, mas...
– Racistas.
Laura balançou a cabeça, afirmando.
– Já deu para perceber.
Foi num dia 13 de Setembro que Daniel e Laura se conheceram. Um músico e uma fotógrafa. Foi o início de um amor.

Espero que tenham gostado!

1 comentário:

  1. Adorei que conseguiu fazer a conexão dessa história com a última, ficou muito bom e deu para entender ainda melhor o relacionamento dos dois. Gostei muito. Parabéns

    ResponderEliminar